02/05/2022

Nas Trilhas com Santa Luísa: bênção, perseverança, vocação.

 

Um dos momentos fortes da dimensão pastoral da Educação Vicentina é a memória celebrativa de seus Fundadores. Em nossa organização pedagógico-pastoral, essas datas significativas são chamadas de marcadores, cuja dinamização, em 2022, caminha em sintonia com a proposta temática e simbólica das Trilhas do Aprender.

 

Nesse sentido, a celebração do Marcador Vicentino de Santa Luísa de Marillac, no dia 09/05, acompanha essa inspiração e recupera a iluminação teológico-vicentina proposta para o ano, que é o Testamento Espiritual de nossa Fundadora. De um modo especial, vamos aprofundar a primeira parte dele, que nos diz:

 

"Continuo pedindo a Deus a sua bênção para conceder-vos a graça de perseverar em vossa vocação a fim de servi-Lo no modo como Ele vos pede" (Santa Luísa de Marillac).

 

Ao olharmos para a vida e obra de Santa Luísa, percebemos que a dinâmica de movimento e processo, tal como é evocada pela simbologia das Trilhas, foi uma constante em sua trajetória histórica. A expressão “idas e vindas”, presente em seus escritos, expressa esse movimento interior e exterior que a acompanhou sempre. Seu Testamento Espiritual expressa essa consciência de busca, de caminhada e do permanente aprender que ela viveu, e que legou como herança para aqueles e aquelas que, inspirados/as em seus passos, se dispõem a continuar a trilha do carisma que, junto com São Vicente, ela iniciou.

 

Neste fragmento do Testamento Espiritual, três palavras se apresentam como expressões chaves para nossa reflexão: BÊNÇÃO, PERSEVERANÇA E VOCAÇÃO. Queremos relê-las a partir das experiências cotidianas de nossa missão educativa, descobrindo nelas intuições que dilatem e aprofundem nosso olhar, nossas práticas e nossas relações educadoras.

 

...pedir a Deus a sua BÊNÇÃO...

 

Oriunda da expressão latina bene dicere, em sentido lato abençoar significa pronunciar palavras de bom agouro, bendizer e “dizer bem” de alguém ou de algo. No âmbito religioso, a bênção vincula-se à invocação da graça de Deus sobre alguém e/ou sobre a realidade que a envolve.

 

Abençoar é um gesto que acompanha o cotidiano de nossas relações. Muitas famílias conservam a tradição dos membros mais novos pedirem a “bênção” para as pessoas mais velhas. Essa atitude comunica o vínculo e proximidade que une diferentes gerações. A bênção é uma expressão de bem-querer, de reconhecimento de que compartilhamos uma mesma travessia existencial. Abençoar e ser abençoado/a indica nosso compromisso de cuidado mútuo nas trilhas da vida.

 

De modo especial, para nós pessoas cristãs, a bênção é experiência de confiança e entrega a uma força maior e cuidadora: o Deus Amoroso que nos concedeu a bênção das bênçãos, que é a vida, e que nos acompanha permanentemente com a Sua graça.

 

Ao introduzir seu Testamento Espiritual com esse desejo de bênção, Santa Luísa nos ensina que a dádiva sempre nos precede. O que somos e fazemos é, em primeiro lugar, expressão da generosidade cuidadora de Deus. Desmond Tutu, um arcebispo cristão sul-africano expressou isso em uma frase muito significativa: “não somos amados por sermos bons. Somos bons porque somos amados”.

 

A bênção de Deus sempre nos precede, nos acompanha, nos fortalece, nos capacita. Pedir a bênção é reconhecer essa precedência amorosa do Mistério na missão que assumimos. Ao abençoarmos, também desejamos que essa consciência do dom abrace aqueles/as que queremos bem ou que nos preocupam, e que confiamos ao cuidado do Senhor. Abençoar é revestir o outro de coisas boas.

 

Como dito em uma conhecida oração de bênção:

 

O Senhor Jesus Cristo esteja convosco para vos proteger,
À vossa frente para vos conduzir,
Acima de vós para vos iluminar,
Atrás de vós para vos guardar,
Ao vosso lado, para vos acompanhar.

 

Nas trilhas da memória, recordamos que somos herdeiros/as da bênção. Juntamente com as formas diretas e próximas de abençoar - como o toque, a imposição das mãos, a utilização de sacramentais (água, óleo, etc) - é importante considerarmos que também abençoamos quando cultivamos a retidão de intenção, quando zelamos pelos valores que nos acompanham em nossa missão. Como educadores/as, abençoamos pela nossa presença, pela nossa dedicação em fazer com que as experiências vividas no cotidiano da escola sejam promotoras de vida, de bem-estar, de respeito mútuo, de acolhida e de partilha. E isso passa desde o quadro empoeirado de giz à escuta atenta das famílias, do “bom dia” no portão de entrada aos critérios que utilizamos na organização de um trabalho avaliativo. Abençoar é concretude, transparência, verdade.

 

...para conceder-vos a graça de PERSEVERAR em vossa VOCAÇÃO...

 

Perseverar é expressão do compromisso afetivo e efetivo com um propósito assumido. A perseverança é a fidelidade criativa àquilo que aderimos com liberdade e consciência; é o exercício cotidiano de imprimir significado e intencionalidade às nossas ações e projetos. Essa máxima pode ser encontrada em outro momento do pensamento de Santa Luísa: “não basta que comecemos bem; é importante perseverar”. Dom Hélder Câmara, bispo brasileiro, expressou uma reflexão semelhante quando dizia: “É graça divina começar bem. Graça maior é persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca”.

 

A perseverança é a recusa à apatia e à mesmice em nossas rotinas de trabalho e de relações; é a superação da tendência que temos, às vezes, de ligar a vida no “piloto automático” e assistir passivamente o transcurso dos dias. Mesmo na escola, que é um corpo vivo e intenso todos os dias, corremos o risco de nos acomodarmos ao que já fazemos e do modo como fazemos, pensando que não temos nada a aprender, a transformarmos e a nos transformarmos. Perseverar é também não descurar de nossas raízes, sabendo que nosso presente e futuro bebem das fontes da história. Assim como dizia Santa Clara, importa que a gente “não perca de vista seu ponto de partida”, para que não precisemos estar sempre recomeçando em aprendizados e experiências que, na sua beleza e desafio, já foram construídos.

 

A perseverança é o processo de maturação de nossa missão; é a capacidade de olharmos para as situações que se apresentam diante de nós e exercitarmos o discernimento do que precisa ser preservado e do que precisa ser revisto. Numa metáfora da terra: verificar o que é semente e o que é palha, e dar a cada uma o destino correspondente.

 

A prece de Santa Luísa é que perseveremos em nossa vocação! Essa palavra tão conhecida nossa ainda é, muitas vezes, compreendida em um sentido restrito. Perseverar naquilo a que fomos chamados/as (vocare = chamamento, chamado) implica, em primeiro momento, ter consciência do que consiste esse nosso chamado. Qual é a vocação educadora hoje? E, especialmente, a que é chamado um/a educador/a, um/a estudante, uma família vicentina hoje?

 

A Pedagogia Vicentina fala que somos uma Comunidade Aprendente; ou seja, todos/as estamos em um movimento de aprendizagem ativa e permanente. O Pacto Educativo Global, por sua vez, nos recorda que, como dito pelo provérbio africano, “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Isso nos leva a pensar que a prece de nossa Fundadora se atualiza em nossos dias quando olhamos para nossa missão educativa e reconhecemos que todos/as nós, como estudantes, educadores/as, famílias, temos uma contribuição singular e intransferível no que chamamos de Educação Vicentina.

 

Nas trilhas da memória, a bênção da perseverança em nossa vocação se traduz na consciência do que somos e fazemos no chão sagrado da escola, desde a passagem silenciosa de pano envolvido em um rodo que percorre o canto mais escondido de um espaço escolar, até a redação criteriosa de nossos documentos orientativos. Tudo isso está a serviço de um projeto que nos transcende, de um serviço que o Senhor nos confia para realizarmos com paixão, profundidade, leveza, verdade.

 

Ao comemorarmos mais uma vez o dia de nossa Fundadora, Santa Luísa de Marillac, nós olhamos para as palavras benditas e bem-ditas de seu Testamento Espiritual, e reconhecemos nelas a atualidade do nosso carisma, uma herança fecunda que nos ajuda a imprimir significado, sentimento e movimento à nossa missão educativa. Com ela, continuemos a pedir a Deus a bênção de perseverarmos na vocação que Ele nos confiou e a servi-Lo do modo como Ele nos pede.

Pastoral Escolar Vicentina - Província de Curitiba

 

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