29/07/2021

Marcas da vida! Vidas que marcam! Conversando sobre vocação na escola.

 

“O que você vai ser quando você crescer?” Possivelmente todos/as nós já ouvimos ou já fizemos essa pergunta em algum momento de nossa vida, e já tivemos muitas respostas para ela. Especialmente junto às infâncias e adolescências, temos essa tendência de pensar a identidade como um “vir a ser”, uma situação futura e ideal que envolve crescimento biofísico, e desenvolvimento cognitivo e emocional. A preparação para o futuro figura como uma tarefa sobre a qual a escola se debruça.

 

Felizmente, fomos avançando no entendimento de que olhar para as fases da vida sob o signo da incompletude é um tanto perigoso. A criança por ser criança não é “menos gente”, nem um ser humano incompleto; só é criança, com tudo aquilo que ser criança representa. Um dia deixará de ser criança e deixará o que próprio do ser criança, como já nos dizia o apóstolo Paulo na carta aos Coríntios (1 Cor 13, 11). Contudo, levará consigo as marcas das experiências vividas, os aprendizados que a ajudarão a ser jovem, adulto ou idoso por inteiro. Inteireza... quantas provocações contidas em uma única palavra!

 

Bom, e o que isso tem a ver com vocação? Tudo a ver... também pelo fato de que, muitas vezes, corremos o risco de pensá-la como um projeto no qual está contemplado o conjunto das realizações futuras de uma pessoa. “Quando eu tiver tal idade... quando me formar em tal curso... quando ingressar em tal estilo de vida... Quando casar... Quando ter filhos... Quando fizer minha consagração...” E, de ‘quando em quando’, a gente corre o risco de se pensar como não sendo ainda. O limite disso? Talvez seja a gente deixar de perceber que somos chamados/as a ser inteiros/as em todos os momentos da vida.

 

Claro, é preciso projetar um futuro desejável, aquele lugar sagrado onde residem nossos sonhos mais sinceros e se delineiam nossas utopias; utopias como as intuiu Eduardo Galeano: a linha do horizonte que nunca conseguimos alcançar, mas que tem a função de nos manter em movimento. Utopias que olhadas sob as lentes da educação, nos indicam que somos seres sempre aprendentes. Porém, voos vultuosos brotam do reconhecimento da amplitude e da força das próprias asas, e são ensaiados na dança cotidiana de se perceber um ser alado. E, assim, sem nos darmos conta, a gente vai aprendendo e ensinando a sentir a vida nos salutares desapegos do chão. Quem voa e quem caminha não se sente preso/a ao caminho, mas escolhe percorrê-los como descoberta permanente de sentido.

 

Todo mês de agosto a Igreja nos convida para refletirmos sobre vocação. Oportunidade bonita conversarmos sobre as travessias da vida. O problema é que a gente já falou tanto sobre isso que, muitas vezes, achamos que já sabemos tudo: “vocação é ser isso ou aquilo”, e a gente precisa encontrar a gavetinha onde caberiam nossas aspirações, como na lógica da “caixa de ferramentas” descrita por Rubem Alves. Mania essa a nossa de olhar para as coisas de maneira funcional. E o mais preocupante: as pessoas adultas são tentadas a pensar que sua grande contribuição vocacional é um discurso testemunhal como um “case” de sucesso capaz de deslumbrar os ouvintes infantes e juvenis. Grande ilusão a nossa essa de achar que já chegamos quando, na verdade, podemos estar acomodados/as a um ponto do caminho.

 

E, que tal, se a gente conversar sobre vocação sobre a ótica não da partida ou da chegada, mas da andança? Cora Coralina já dizia que “o que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”. Vocação tem a ver com a experiência cotidiana de deixar-se afetar pelos caminhos que trilhamos ao mesmo tempo em que vamos deixando nossas pegadas nele. Em outras palavras, é o que traduzimos na inspiração temática que propomos para o marcador de agosto: marcas da vida! Vidas que marcam!

 

Aprendemos que o primeiro “chamado” (vocare – chamado) que recebemos é à vida. E isso não é pouca coisa. Para nós que olhamos o mundo pelas lentes da fé, existir é muito mais do que termos um corpo com funcionalidades metabólicas ativas. Nós afirmamos que a vida de cada pessoa é única, é dom que brota do desejo carinhoso de Deus que nos teceu à sua imagem e semelhança. Na narrativa bíblica, foi Ele quem soprou em nossas narinas um hálito de vida e nos tornou seres viventes (Gn 2, 7). Divina Ruah, fôlego vital, o Espírito que ordena o caos e invade as janelas do Cenáculo.

 

A vida de cada pessoa deixa uma marca indelével na história. É por isso que sentimos e choramos as muitas vidas perdidas pelas guerras e catástrofes mundiais, pela fome e agora, bem próximo de nós, pela pandemia. Não são números e nunca serão; são pessoas, gente como a gente, com direito e gana de viver.

 

Pode ser que muitas pessoas, por diferentes razões, não se sintam assim amadas. Nos caminhos do viver por vezes nos falta afeto, acolhida, aceitação. Pode ser que as marcas da vida de muitos/as irmãos/ãs nossos/as não traduzam a autocompreensão de dádiva e singularidade. Porém, acolher a vida com dom significa assumir as curvas da estrada, acolhendo as situações como possibilidades de transformação. Lya Luft afirma que “viver deveria ser – até o último pensamento e derradeiro olhar – transformar-se”. Se nossa condição humana é marcada pela provisoriedade, é justamente no provisório que podemos tecer marcas significativas. Somos vocacionados/as a uma existência de sentido!

 

Quando olhamos para a escola percebemos o quanto ela é um espaço potente para reflexões sob esse prisma: (re)pensar a vida em transformação. A gente vê isso de maneira evidente no crescimento da meninada. “Caramba, olha o tamanho desse moço! Foi ontem que estava na Educação Infantil”. Mas, também contempla na sutileza como as transformações que brotam de dentro vão sendo comunicadas em atitudes e gestos de cuidado, de compromisso ético e busca do bem comum. E a gente, como educadores/as, onde estamos nisso tudo? Caminhando ao lado e se transformando junto; imprimindo marcas e recebendo-as também. Temos o privilégio de cooperar com os/as estudantes em suas descobertas existenciais e escolhas futuras, mas com eles/as descobrimos o valor dos discernimentos e escolhas de todos os dias. Queremos somar para que alcancem bons resultados em suas carreiras profissionais e acadêmicas, mas, com eles/as estamos matriculados/as na escola da vida, cujo vestibular é diário e irrepetível. Uma vida que marca é feita das marcas cotidianas que vai nos transformando no que somos chamados/as a ser: pessoas inteiras e vivendo por inteiro.

 

 

Ir. Raquel de Fátima Colet, FC

PASTORAL ESCOLAR VICENTINA  - PROVÍNCIA DE CURITIBA

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